sexta-feira, 3 de outubro de 2014

E se não sentíssemos nada?

A ideia de não sentirmos nada foi adotada pelo filme “The Givers” com o título em português “O doador de memórias”. Baseado no livro "O Doador" (1993) de Lois Lowry, traz uma sociedade utópica, sem guerras, doenças ou tristezas. O objetivo deste texto não é fazer uma crítica sobre o filme, mas refletir sobre a ideia de não sentirmos nada.
O filme aborda uma sociedade planejada, totalitarista, em que todos já nascem destinados a algo. E para criar uma sociedade perfeita, é preciso apagar todas as memórias coletivas que relembrem qualquer tipo de sentimento ou emoção humana, seja boa ou ruim. Dá a sugestão de que para se ter uma sociedade perfeita, é preciso que não haja sentimentos.
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Para isto, não bastaria apenas abolir os sentimentos ruins, seria preciso extinguir também os sentimentos bons. Coisas simples como um abraço ou um entrelaçar de mãos que causa um turbilhão de sensações em cada parte do nosso corpo, um simples sorriso, um movimento, uma dança, tudo isso também parece ser perigoso e ameaçador para esta tal sociedade perfeita.
Há momentos em que o protagonista traz em suas palavras, um discurso carregado de sentimentos, e imediatamente lhe é exigido clareza. É preciso nitidez nas palavras quando não se compreende o que se sente. É preciso uma palavra racionalizada e objetiva, em que não precise de empatia para compreendê-la. É preciso uma vida preenchida de cor cinza e vazia de sensações. Mas até que ponto?
As cenas em preto e branco garantem a ausência de sentimentos. As cores surgem quando os sentimentos começam a pulsar no peito do protagonista. Sugere a ideia de que os sentimentos são carregados de cores. Tudo se torna mais atrativo quando o colorido mostra sua força. A alma humana clama pelo sentir, é intrínseco. Mesmo que o sentimento doa forte, ainda assim é preferível sentir.
Esta discussão traz uma margem para ares filosóficos e a questão é: se não sentíssemos nada, realmente teríamos uma sociedade tão perfeita como a mostrada no filme? Mas até que ponto uma sociedade sem sentimentos garantiria que não haveria guerras? Abolir o amor e o ódio realmente seria eficaz em conter o que há de mais puro ou obscuro na alma do ser humano?
A alma humana é contornada de emoções e sentidos. E talvez para atingirmos o ápice da sociedade perfeita, precisaríamos deixar de ser humanos.




[Suzanne Leal]

domingo, 28 de setembro de 2014

Qual lado da rua?


Nos diversos caminhos e estradas que nos emboscam diante de escolhas durante todo o decorrer da nossa vida, perdemos noites de sono e sossego, perdemos dias de claridade e rendimento. Deixamos de viver nossa vida para vivermos a angústia das nossas escolhas. Precisamos escolher entre o que queremos e o que é necessário. E às vezes até fingimos que as escolhas não estão lá esperando que a gente se mova.



O que desgasta é fazer escolhas imaginando as possíveis possibilidades, é escolhermos entre o nosso sonho e a realidade. As possibilidades, acredito eu, jamais serão como imaginamos ou planejamos. Mesmo que contemos todos os números necessários e calculemos toda a conta com cada pedra ou desvio somado milimetricamente. Ainda assim, nunca será igual.

Inventamos medos e empecilhos. Você se afunda num poço de dúvidas por não saber por onde seguir.  Tudo isso porque no final das contas, a responsabilidade será inteiramente sua. Assumir as próprias responsabilidades é um passo imensamente audacioso e fortalecedor, mas infelizmente, nem todos conseguem. O caminho da imobilidade é bem mais fácil.

O medo não é do que pode vir. Mas de ter que assumir a responsabilidade pelas conseqüências das escolhas feitas. É isso que assusta e te faz paralisar. É isso que nos faz desistir. A repetição de pensamentos e sentimentos negativos de que nada vai dar certo, parece se expandir como doença, como vício que contamina cada célula do pensamento e da alma.

Temos medo de escolher, porque escolher exige renúncia. A escolha traz consequências e precisamos arcar com ela. Isso não significa que seja algo tão pesado e ruim. De início pode parecer carregado, arrastado, sofrido, mas com o tempo a percepção e o resultado serão bem mais satisfatórios do que a permanência em uma insatisfação por não conseguir se mover.

Ao invés de gastarmos energia remoendo e lamentando por não querermos assumir nossas próprias responsabilidades, gastemos essa energia nos movimentando. Chegará o dia em que terá que olhar para o outro lado da rua e atravessá-la. O que o espera do outro lado não é possível saber. Para isto, é preciso tentar.

A tentativa é o primeiro passo. A persistência é o segundo. A vontade só se torna um passo quando se tenta. Deixá-la arraigada e presa dentro de si não causa mudanças, pelo contrário, isso se acumula em energia ruim no corpo. E como dizem por aí “nada se perde, tudo se transforma”, o corpo, por não saber o que fazer com tanta pressão e energia ruim, transforma-a em doença. Uma doença silenciosa que contamina a vida em passos vagarosos.

Por isso, mova-se! Atravesse a rua!



[Suzanne Leal]



Qual lado da rua? Obvious

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Awarennes






_ Me peguei pensando... 
(E milhões de estrelas escapuliram fugazmente do meu pensamento. Upsss... Esperem! Não fujam! Voltem para os seus acordeões, para os campos mais belos do espaço, ocupem cada uma seu cantinho e encaixem-se como cada planeta e brilhem em direção ao lugar certo). 
_ Ops, um awarennes! 

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

[Autobiografia]


Dessa vez o sonho escapou e só demorou 3 piscadas pra os meus olhos se arregalarem. Foi grito interno pra tudo o quanto era lado. Não demorou nem 3 segundos pra eu largar a ingenuidade e crescer. Meu avô contava histórias de se encher de atenção, minha avó mexia com toda a decoração e eu só tentava imaginar onde morava o tal bicho de sete cabeças. Não era de dar medo, era indagação conotativa de criança. Eu acho que música tem que mexer com a alma. Tem que acelerar e acalmar. E que pra ler tem que viajar. Queria mesmo era ficar acordada, mas ainda que não precisasse dormir, ainda assim queria acordar pela manhã. O que isso tem a ver? Veja bem, eu gosto da manhã e de acordar nela. Eu vejo a alma das coisas e penso em pra quê serve, só não vou contar dos morangos. Eu pulo algumas partes, não porque não me servem, mas porque não as quero. Não tive um cachorro que fosse basicamente meu, mas porque não me ensinaram a usar as mãos e as palavras. Palavras? Sim, eu tenho muitas, só não sabia como usar, ainda sei pouco, mas o que não quero eu vou deixar. E fica aí, não me segue não. Definitivamente, às vezes acho tudo bobagem e às vezes acho tudo válido. No mais, é só! 






[Suzanne Leal]

domingo, 7 de setembro de 2014

Tempo

"Se eu fosse o tempo,
arriscaria todas as próximas horas
e esqueceria tudo o que já passou"



[Suzanne Leal]

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Promessas






"A gente começa com janeiro

e quando chega setembro
percebe que nunca começou"



[Suzanne Leal]

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Calma

"Às vezes a gente se perde por dentro"


[Suzanne Leal]


















"A gente pede calma, tudo vai passar.
PACIÊNCIA pra esperar passar"


[Suzanne Leal]

Motivos

"E pelas causas e motivos
a gente se move,
modifica
e escolhe"


[Suzanne Leal]













"Posso dizer entre silêncios
que a gente sente muito mais
do que as coisas transparecem"


[Suzanne Leal]















"Antes de dormir repetia como prece:
Não me deixe esquecer-me,
porque quando desvio de ser eu mesma,
eu me apavoro"


[Suzanne Leal]














"No fundo ela já sabia,
era a vida soprando ao seu ouvido"



[Suzanne Leal]

Vozes

"Quando for dia de culpa,
me ponho embaixo de um guarda-chuva 
e espero todas as vozes se calarem
e escorrerem pelas ruas"



[Suzanne Leal] 



segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Gravidade

"Pra alcançar a GRAVIDADE
das coisas
é preciso libertar
o pensamento"



[Suzanne Leal]

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O Encontrar-se

É hora de renascer. Reconstruir-se. Bom senso, vitalidade, força e fé. Fé no que se acredita, fé em si, fé na vida. Não confunda esta fé com religiosidade. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Fé é vida, é espiritualidade, religiosidade é um dogma para o qual a gente escolhe se fechar.

Espiritualidade é encontrar-se, é olhar-se de frente e encarar todos os monstros que pesam sobre os nossos ombros, sobre as nossas emoções, sobre os nossos pensamentos. É não mais enganar-se, ou fingir, acumulando poeira e peso desnecessário. É levantar o tapete sem medo, encarar a poeira e fazer uma limpeza espiritual. É quando nos traz equilíbrio, nos fazendo andar lado a lado ou de mãos dadas com as nossas sombras.

Nossas sombras não são tão más quando as assumimos. Nossas sombras não são tão más quando as compreendemos. Se soubéssemos ouvir o que nós mesmos temos a dizer, seríamos mais leves, resilientes, pacientes. Seríamos menos neuróticos e atormentados. Saberíamos respeitar a si e ao outro. Seríamos mais sábios e mais receptivos à vida. Por que é a vida que clama quando você sente dor.

Durante muito tempo, escolhemos ficar parados e nos acomodamos em uma situação que não aceitamos. Sabemos que aquele não somos nós, que o que mostramos não é nosso Eu verdadeiro. Vivemos uma farsa. Nossos desejos, nossos sonhos, nossas palavras, nossos movimentos, nossos sentimentos, nossos ideais, tudo se apaga quando nos escondemos de nós mesmos. Ficamos sem identidade e nos tornamos àquilo que o outro fala sobre nós.

Não basta deixar o mundo girar, é preciso girar junto com ele. Deixar a loucura de dentro sair, essa loucura que acelera seu coração, mas que só você sabe enxergar e sentir. Essa loucura que se outras pessoas vissem diriam que não é você, mas no fundo você sabe que isso é tão você mesmo, tão fiel a si, um retrato perfeito da sua própria alma.

Precisamos largar a solidão acompanhada, parar de fingir o que pensamos ter e encarar a solidão de fato, encarar a si mesmo. É preciso ouvi-la, senti-la, compreender o que ela tanto tenta nos dizer sobre nós mesmos. Entender seu significado, sua representação, a simbologia que lhe contorna tão cuidadosamente.

A solidão é um espinho que cutuca a alma para fazer sangrar até curar a ferida. É preciso deixá-la falar para que entremos em contato com as obscuridades do nosso Ser e assim possamos utilizar nossa escuridão como força para nos libertarmos. Pois acredite, nossa sombra não é nossa inimiga, mas fazemos dela como tal. Ela é nossa aliada, a mais forte e mais importante para darmos passos livres.

A negação, a raiva, a revolta, a depressão, tudo isso pode nos cegar quando vendamos nossos olhos. Não percebemos que nos aprisionamos as nossas próprias emoções e criações. Aprisionamos-nos dentro do nosso próprio espelho, que nos mostra uma imagem inversa e estranha. Alimentamos a pequena sombra que nos habita, tornando-a um universo com vida própria. Uma vida que te deteriora se você não pará-la a tempo.

Equilibrar-se em uma linha trêmula não é fácil, se fosse, a maioria não se acomodaria. Equilibra-se é uma tarefa difícil e árdua. Mas mais importante do que o caminho que irá trilhar é reconhecer seus próprios monstros, reconhecer como você se coloca no mundo, como se relaciona consigo e com o outro. É a tarefa primordial a se fazer. O primeiro passo a ser dado.

Perceber que a maioria dos monstros são criações suas e mesmo aquilo que é imposto pelo outro, a quem você culpa veementemente como fuga de si mesmo, ainda assim, você tem autonomia para mudar. Você tem autonomia para guiar a sua alma. Basta reconhecer que pode ser uma escolha sua.

Temos autonomia para a mudança. Temos autonomia para escolher se queremos viver com aquilo que nos foi dado ou se queremos desejar, experimentar, fazer, mudar, construir concepções nossas, expandir nosso Ser. Encontrar quem somos de verdade. Encarar a vida e o mundo com leveza. Isto é espiritualidade. É leveza.

Leveza é fazer escolhas sem culpar o mundo, é permitir-se aos seus desejos e sonhos sem culpa ou transtorno. É ter coragem de abandonar os pesos e assumir que estes pesos foram escolhas suas, ainda que o mundo, as pessoas e até você mesmo façam você acreditar que não havia outra escolha ou alternativa.

Leveza é assumir quem você é. De verdade. E não aquilo que você pensa ser. Acredite, existe uma real e grande diferença entre aquilo que você é e aquilo que você acha que é. Sabia ter um olhar simples ao buscar essa diferença. Saiba compreender e aceitar, que lhe pertence e que lhe torna um Ser único no mundo.

Quem você é agora? Em meio a tantos outros que se misturaram a você e que você se deixou misturar. Quais seus gostos? Suas vontades? Quem é você de verdade? Quem é o rosto que se esconde atrás de máscaras e roupas pesadas? Quem é o rosto atrás do espelho?

Você só saberá quando se despir de todos os pesos, mentiras e máscaras, e encontrar-se desnudo de qualquer mediocridade. Quando compreender de fato seus erros e acertos, suas luzes e sombras. Quando alcançar ao menos um pouco de resiliência.

Se você alcançou a sua espiritualidade. Celebre. Você está vivo de verdade.






[Suzanne Leal]

terça-feira, 19 de agosto de 2014

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Simplicidade

Perder sua própria criança é perder metade da fé na liberdade, na simplicidade, no homem humanizado.


[Suzanne Leal]



terça-feira, 12 de agosto de 2014

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O transbordamento

Considero-me uma dessas pessoas que sentem demais, que captam cada pedacinho de sentimento de forma tão intensa que às vezes chega a ser difícil de respirar, ainda mais com a acumulação de peso sobre os ombros e sobre os olhos. É tanto acúmulo de energia que chego a me sentir maior do que eu realmente sou. Mas esta sou eu. Também é você?

Há dias e noites. Há noites intensas e ruidosas e há noites frias e solitárias. Os dias são mais quentes. Mas as noites podem ser gélidas quando solitárias. É uma repetição diária do anoitecer e do amanhecer, sempre no mesmo ritmo. E alma se agita com a aflição de quem quer mudar de caminho. Para mudar não basta pensar. Tá certo que o pensamento é o gatilho, mas é preciso disparar a arma.

O corpo é frágil e nos iludimos em uma falsa fortaleza. Aquela tal fortaleza que construímos com pilares de fingimento ao nos confundirmos com o outro. Nela nos envolvemos e cobrimos nossos olhos. Sinais e sinais à sua frente, ao seu redor, de dentro, de fora, de todos os lados, alarmes aos montes, mas é mais confortável não se mexer, viver no falso mundo criado sobre uma base construída com ilusões, fantasias e utopias.

Corpo é energia que movimenta. Se não movimenta, não extravasa, nem gasta, ele decai. Corpo também é pressão, se não move, enfraquece, adoece. Corpo é limite, é um bem que deve ser cuidado, mas muitas vezes é ignorado, desrespeitado. E quando acende o sinal vermelho, talvez seja tarde para reconhecer que não somos fortalezas. Tarde para reconhecer que somos humanos e que o adoecer e a morte andam do nosso lado, à espreita, de mãos dadas com nossos pontos mais fracos.

Corpo é emoção, que grita, que transcende, que busca uma chama que não se sabe bem o que é. Só se sabe que quer senti-la em toda a sua intensidade e magnitude. Que quer buscá-la dentro e fora de si. Porque ficar parado angustia, é uma falsa ilusão de comodismo, de mais fácil. O caminho que parece ser o mais rápido e fácil, se torna o mais difícil e árduo. Se pararmos bem pra pensar, não é cômodo, na realidade é duro e penoso estagnar-se no comodismo, na mesmice, no conhecido.
As conseqüências são muitas. E acredite, a maioria não é boa. Quando nos deparamos com elas, ficamos sem chão, sem identidade. Fica tão difícil responder quem é você mesmo. Você se limita, se esconde, se fecha. Junto a tudo isso vem uma imensidão de dúvidas. A dúvida é angustiante. A guerra interna vem à tona. Ela não está começando. Só está emergindo de um lugar que já existia há muito tempo. E você não está pronto para ela.

Há dias que desejamos tão intensamente que chegamos a sufocar. Mas falta a coragem de viver nossos desejos. Falta a coragem de largar as roupas usadas e correr sem rumo, sem olhar para trás, sem remorso, ou algo ou alguém que a prenda. Uma prisão que muitas vezes é um buraco escuro que não se vê sentido, que torna a vida vazia e vaga, sem saber ao menos o que viver realmente. Sem saber pelo que seguir. Você apenas vive o que planejam pra você.

É uma vontade intensa que às vezes dói como doença, e às vezes vibra como a esperança por um dia novo. É uma vontade que anseia a cada segundo, sem mostrar caminho ou direção. Ela só sabe que quer ir e tão logo quanto possível. É uma vontade que aspira ser destemida e almeja passar por cima de qualquer dor ou entorpecimento que imobilize a alma. É uma vontade que fala e descreve quem você é de verdade.

Entorpecimento, é isso que destrói a alma, é isso que faz doer mais do que qualquer dor física. É uma dor sem cor, toque ou forma, não tem um ponto certo e não se vê. Ela absorve a vida e a nossa essência, que nasce vívida em todos nós, mas é sugada e abafada com o crescer. Entorpecer é sufocar-se na própria respiração, que vai se tornando pesada e arrastada. A gente desaprende até a respirar levemente.

Chega o dia que transborda, como um copo que transborda água de tão cheio. Como o mar que invade a terra para externar o que há nas profundezas. Não há mais espaço, o entorpecimento ultrapassou o limite do suportável. Muitas vezes parece um copo vedado, pressionado tão fortemente a ponto de explodir. Uma explosão, que se não cuidado antes, se manifesta intensamente no corpo. E dói, dói como você nunca pensou que fosse doer.

A doença que era da alma, se torna doença palpável no corpo. A doença que não podíamos tocar e ignorávamos, agora toma forma, corpo e voz. Uma voz que assusta, amedronta e apavora até o mais profundo do nosso Ser. Ficamos perdidos e desnorteados, afundando-se na lama das neuroses criadas e alimentadas. Afundamos em nossa própria construção. É um buraco escuro, solitário e assustador que você precisa encarar.

A doença maltrata, atormenta, aterroriza por quem a olha bem de perto, por quem a vive, por quem é atingido. Ela cutuca nossas feridas mais profundas, àquelas que jamais desejaríamos olhar. Ainda que a gente se afunde em negação e raiva, ainda assim, sabemos que está lá e que dela não podemos fugir.

Nadamos num rio escuro e profundo. Apavorados e sozinhos ficamos desesperados, angustiados. Por não suportar estes sentimentos, transformamo-los em flechas apontadas para todos os lados. Atiramos sem direção como uma tentativa desesperada de fuga e negação. Mas a fuga não é possível. Ainda quando se tenta correr para morte, ainda assim não se pode fugir daquilo que a vida inteira tentamos evitar.

Fugir é uma tentativa falha que tentamos inúmeras vezes, mesmo com os contínuos fracassos e frustrações, mesmo enxergando que fugir só prolonga o caminho, que se torna ainda mais doloroso. Ainda assim desejamos fugir. Acumulando mais pesos, mais marcas e dores. Uma hora o rio escuro transborda, uma hora só existirá o rio escuro. Uma hora será só você e a escuridão da sua própria dor.

Quando a dor e as mentiras inventadas transbordam, o corpo clama e a alma protesta, transformando-se num grito desesperado. Nós somos humanos, e o corpo não aguenta, ele também padece. Quando o corpo padece, a alma adoece junto e vice-versa, porque os dois, diferente do que nos é ensinado a acreditar, jamais estão separados. Eles são um só. É uma separação cultural bem difícil de compreender.

Nosso corpo carece de leveza e ele te avisa e te suplica todos os dias, mas somos treinados para não escutá-lo, para ignorá-lo, para acreditamos que somos feitos de ferro e não humanos. Mas até mesmo o ferro corrói, enferruja. Somos treinados a pensar que nunca seremos nós a nadar no rio escuro e a percorrer pelas nossas próprias sombras. Tudo é o outro. Tudo só acontece com o outro. Até o culpado pelos nossos erros é o outro.

O isolamento e a negação podem te isolar permanente em águas escuras. Mas não culpe a teoria. Você escolheu permanecer e construir muros que separam você da vida. Que separam você de águas límpidas e transparentes. O nado é longo e cansativo, mas aumentar ou encurtar essa distância é questão de escolha. Temos capacidade de autonomia. Temos plena capacidade de escolhermos onde queremos ficar e estar. Não importa o que seja, ainda assim foi escolha sua.

Transbordar é ultrapassar um limite que devíamos sempre respeitar. É ultrapassar o limite do que podemos suportar. É chegar ao intolerável. A sua mente pode até te enganar com uma falsa tolerância, mas o seu corpo e sua alma, estes jamais te enganarão. Basta saber ouvi-los, compreendê-los em sua forma e jeito de ser, pois não existe regra, existe individualidade.

Existe você. Saiba enxergar-se antes que o seu rio escuro transborde.






[Suzanne Leal]

sábado, 2 de agosto de 2014

O fingimento da vida

Acho que na maior parte do tempo a gente finge que está vivendo. Viver de verdade é bem raro e às vezes é bem difícil saber como é. Buscamos uma utopia que é vendida no mercado, as prateleiras estão cheias delas, atrativas, bonitas e cuidadosamente enganadoras. Ninguém nunca a encontrou de verdade. Pelo menos não que eu saiba.

Às vezes a gente se perde durante o tempo, ficamos sem amor, sem cor, sem sabor. A gente fica amarga, vazia, dolorida. É preciso dormir pra anestesiar e se aconchegar nos sonhos. A gente fica descrente, dolente, sem se enxergar por dentro ou por fora. É um tempo apagado e cinza. Um tempo fingido. Fingindo sorrisos, abraços, olhares, sentimentos, fingindo o que se é, fingindo a vida. A gente pede calma, tudo vai passar. Paciência para esperar passar. Eu não tinha. Você tinha?

Pensar demais faz desistir. O destemido torna-se a maior ambição de almas que desejam Ser. Ser audaciosa talvez seja a mais vital esperança dentro de nós. Mas às vezes parece ser tarde pra Ser Eu, pra Sermos Nós Mesmo. Parece ser tarde dentro de nós. Parecia ser tarde pra toda aquela corajosa e atrevida alma se expor e tomar forma. Quase tudo parece Não mais Ser. A esperança se esvai, protagonizando apenas riscos de chamas que salpicam em uma vasta escuridão. Às vezes a gente se perde por dentro.

A gente espera. E no esperar, há o isolamento, que traz à solidão, a angústia, a aspereza, a rigidez, a consternação. Nem todos agüentam. É preciso ser forte, é preciso alento pra agüentar o isolamento. A gente se retrai. Retrair-se é imergir dentro da sua própria sombra. A sombra que te mostra o seu lado oculto, o perigo que às vezes é ser você. E por ser perigoso, a maioria não deseja se encontrar. Longe disso, é mais cômodo viver no superficial, concorda? Se sim, não continue a ler.

No contato com o mundo, a superficialidade, que te arrasta pra solidão. A gente se consterna. Faz a gente pensar estar à margem desse mundo, um esquisito, um forasteiro perambulando sem destino. Não saber lidar, não saber agir com o que é aparente e leviano é desgastante. A Alma esgota, exaure. Às vezes a gente tenta, mas muito mal, um ponto sem rumo. Pessoas de Alma só sabem ser profundas. Como um oceano profundo. Não sabem nadar pelas bordas. Só sabem fazer contato de alma. O que externa a pele, se torna incompreensível.

É um andar sem rumo, solitário, sem ponto certo. Se você não se segurar, se manter firme dentro de si, você se deixa levar pelo superficial, pelo aparentemente belo, que te encanta e te ofusca com um brilho que pode trapacear até o mais atento dos olhares. É preciso tomar muito cuidado. O perigo está à espreita e facilmente te fisga. Quando você menos espera pode ser sugado, sem perceber está presa e cega para si mesma e para a vida.

Você segue fingindo um sorriso seco e começa a se deparar com rostos que mais se parecem espelhos simulando uma vida que não é sua. Bem no fundo você sabe o que é de verdade. É uma luta interna voraz do seu verdadeiro Eu contra seu falso Eu. É árduo. É um desgaste interno que adoece. É em vão. Acorrenta e pesa. Você começa a se arrastar pelas ruas, pelos sonhos, como se nada no mundo valesse acordar pela manhã.

Há exigências em cada esquina, em cada olhar, em cada palavra, é uma injúria ser você. É ofensivo aos olhos do outro. Atrás dos olhos é que se sabe a batalha que se enfrenta, uma batalha árdua contra a qual sua alma luta todos os dias e noites. Exceto para aqueles que não têm alma, que crescem apenas como uma casca vazia, contornada de ignorância, que jogam para debaixo do tapete sua luta interna. É uma guerra e não é fácil vencê-la.

Diante dos olhos do outro você se obrigada a se robotizar, a dramatizar a mesmice que socialmente é considerada normal, a monitorar todo e qualquer movimento, passo ou olhar. Você se endurece, se torna rígido. E em movimentos controlados você se desgasta e deixa de ser você. Quando menos percebe, você não reconhece mais a si mesmo e deixa de saber coisas simples como a cor que mais gosta. Reconhecer-se numa mistura moldada por tantos outros é uma tarefa difícil e longa.

Você e os outros se torna uma coisa tão misturada a ponto de não saber mais se diferenciar. Você quer o que o outro quer e não o que você realmente quer. Você quer o que o outro tem ou deseja e não o que você realmente deseja. E por aí vai a grande mistura que você se tornou.

Esse fingimento é como um veneno que mata lentamente, que dissolve sua essência, que te faz se apagar aos poucos. Você começa a caminhar num beco escuro, seguindo apenas os lugares que te dizem para ir. E assim a gente segue, desviando de si mesmo, desencontrando a própria alma, o puro, o verdadeiro. Desencontrando daquilo que faz de nós um ser único. Desencontrando daquilo que faz nos sentirmos vivos.

Qualquer coisa se torna maior do que a coragem de ser você. A não possibilidade, o distanciamento daquilo que realmente desejamos, tudo isso vai se tornando mais vívido à medida que desviamos da nossa essência. Fingir é mais fácil. Ser a nós mesmos consiste em um trabalho que exige bravura e a construção de um EU firme que não se deixe esmorecer ou fraquejar a qualquer sinal de fracasso.

O corpo dá os sinais de todas as máscaras que o sufocam. No início são recados que parecem bobos, vagos. Depois eles apertam, batendo firme. Mas a gente ignora. Num freqüente ignorar, a gente se maltrata, se machuca, buscando um culpado lá fora. Às vezes fica a dúvida se a ignorância é uma qualidade (ou defeito) intrínseca ao ser humano. Quem sabe? Recusemos-nos a acreditar. A sabedoria, esta sim é a liberdade.

Ser humano é um bicho esquisito, ele se adapta a viver na dor, a se encarcerar e se firmar nos sofrimentos da alma. Ele se encaixa no comodismo e até mesmo no sofrer. E disso vai se alimentando, rastejando, com medo do novo, com medo de encontrar o melhor para si. Com medo de se levantar e caminhar sem olhar para trás. Ele constrói as próprias travas, grades e cadeados e se torna prisioneiro de suas próprias neuroses.

Um caminhar de olhos vazios, atônito, com talvez uma mínima perspectiva de um milagre. Talvez. De que a vida milagrosamente se transforme na utopia tão sonhada. Dentro de si pode até existir um desejo que queima forte, mas não há força para o movimento, não há força para ser você mesmo. Só a inércia de não conseguir ter autonomia sobre o próprio corpo. Não há força para dar um empurrão na consciência da consciência. Por que você pode até saber, mas só saber não basta.

Vez ou outra você até se anima, deixa brotar um novo desejo, planeja objetivos e até um novo futuro, um novo rumo, uma nova condição, quem sabe. Mas é um desejo que passa tão rápido quanto anoitece e amanhece. O desejo se esvai, dissolve e desaparece como se nunca tivesse existido. Logo se arranja uma nova desculpa por abandoná-lo tão rápido. E assim a gente se sabota, permanecendo com os olhos e o coração fechado.

Desculpas, a gente inventa um monte delas. Tão veloz é a justificativa de desistir antes mesmo de tentar. Tão rápido são nossas defesas, agem como se fossemos morrer. O fingimento se alimenta de desculpas, logo se torna seu pilar, seu jeito torto de funcionar. Assim você constrói a si mesmo, com mentiras que você mesmo inventou. E ainda culpa os outros pelas mentiras inventadas.

Fugaz e passageira é a vida alimentada por desculpas, que cresce alimentada por um vazio que angustia. É como se elas ficassem à espera do momento mais próximo, pra serem ditas exaustivamente, até todos cobrirem os olhos, até você mesmo cobrir seus próprios olhos, fingir acreditar que esse é seu eu verdadeiro. Mas a marca fica no seu corpo e tão logo ele dá um jeito de te mostrar. No fundo ou até superficialmente você sabe quem seu eu verdadeiro é. Você tem medo e assim persiste no fingimento, por medo, um sentimento tão humano que temos pavor de sentir. E então controlamos nossas feições, nossos gestos, nossas palavras, para não demonstrá-lo.

Mas no fundo, sabemos que estamos apavorados.




[Suzanne Leal]

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Pessoas boas morrem cedo


É com freqüência (e desde criança) que escuto a frase “pessoas boas morrem cedo”, dito com um tom de revolta como se fosse uma das maiores injustiças que existem no mundo. E continuam falando que pessoas ruins continuam vivas, elas é que deveriam morrer e não as boas. É um mundo cruel, um Deus injusto.


Tenho certeza que você já ouviu algum comentário do tipo, ou já pensou ou falou algo assim. Mas o que você sabe sobre essas pessoas que recebem o rótulo de “boas”? O que você sabe sobre a história de vida delas? O que você sabe sobre os sentimentos vividos por esta pessoa? Tenho certeza que não sabe a resposta de nenhum desses questionamentos. Você só sabe que ela era uma boa pessoa e pronto, não merecia sofrer ou morrer tão cedo.

Sofrer e morrer todos nós vamos, ser boa ou má pessoa não é critério de escolha. Morrer e sofrer são critérios da vida, são as condições por estarmos vivos. O que está vivo, morre. Apenas a forma do sofrer e do morrer é resultado de uma escolha sua. Não há mudança nisso, são questionamentos sem respostas.

O que percebo é que as pessoas boas “engolem sapo” a vida inteira, suportam a tudo e a todos, caladas, dizendo “sim” forçadamente quando o seu íntimo grita por um “não”. Aceitando o que não se quer aceitar e ainda tentam enganar a si mesmas com o conformismo da frase “é assim mesmo”.

Talvez sejam pessoas que nunca conseguiram desenvolver autonomia para a mudança. Que foram educadas para caminhar como um ser passivo. Sem ser ativo no mundo, o corpo não gasta a energia que tem gastar, ela se acumula. E como todo acúmulo ou excesso, uma hora transborda. Como? Adoecendo. Às vezes ainda tem jeito. Às vezes é tarde demais. A vida vai clamar por equilíbrio.

O que o corpo não gasta, ele somatiza. E num passivo “engolir de sapos”, o corpo vai somatizando. Não é algo de um ou dois dias. É algo de uma vida inteira. Não há ação, só reação manifesta com o adoecer. De olhos vendados, as pessoas boas seguem acreditando que é preciso aceitar, que é assim mesmo, que a vida é difícil e não há possibilidades. Acreditam que devem engolir tudo que lhes é atirado.

A pessoa não reage. “Fulano é tão bom, foi humilhado à vida toda e nunca revidou, sempre vivendo em ‘paz’ com ele mesmo”. Enquanto isso, as contestações internas fazem do seu corpo um campo de guerra, uma batalha árdua que pode ter um fim trágico com intenso sofrimento e dor (física e emocional). Para a dor física há remédios, e para a dor emocional o que há?

Nossas emoções se revelam no nosso corpo. Os mecanismos conscientes e inconscientes agem rapidamente e nossas células manifestam cada mínimo detalhe desta ação/reação. É você refletindo como você é, como você funciona, como você enxerga a si e o mundo, e não simplesmente por imposição – “porque é assim mesmo”. É só você sendo você mesmo.

Portanto, se você for rotulado como essa tal pessoa boa, reavalie-se! 





[Suzanne Leal]

terça-feira, 1 de julho de 2014

Sou eu ou é mundo?

- o início


Quando eu era criança acreditava haver um mundo além das estrelas, além daquele lugar fechado e áspero, e um dia eu conseguiria alcançá-lo. Eu acreditava em vida pura, livre de negatividade, do tipo que a gente fecha os olhos e abre os braços ao vento. Do tipo que se solta às pernas no ar no vai e vem do balanço. Do tipo não pouco se importa se o vestido ou o cabelo está bagunçado.

Essa é uma das preciosidades que a infância expressa em si. Carregada de sonhos, leveza e espiritualidade, ser criança consiste em ser puro, alto e sincero. É poder enxergar toda a doce candura da natureza. É ser livre pra ser o que quiser durante o dia e à noite dormir abraçado com a lua. É deixar a imaginação inspirar a vida e aninhar a própria alma de doçura.

É um tempo raro, poucos o vivem realmente, e por vezes, este tempo é roubado, se esquece e se perde, ou nem se quer começa a existir. Perder sua própria criança é perder metade da fé na liberdade, na simplicidade, no homem humanizado. É perder um mundo contornado por sonhos e por sorrisos livres. É expressar um sorriso forçado em que os caminhos significativos se dissipam pelo vento.

Quando se é criança o mundo é livre de insignificâncias, cheio de valores e tão enorme quanto os corações acalentados. O olhar para o mundo é expansivo, tudo é maior do que parece ser. Os caminhos são simples e os passos são soltos, leves e cheios de energia. E quanto mais vento para tocar os braços e bagunçar os cabelos, melhor.







[Suzanne Leal]

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O sofrimento como troféu


Sofrer faz parte do equilíbrio da vida, faz parte do caminho árduo que é o crescimento. Sofrer é angustiar-se, é gritar, é sufocar, é achar que nada mais tem sentido, é querer desistir. Sofrer também é crescer, é reerguer-se, é curar. Mas o sofrer, como tudo na vida (ou quase tudo) é momentâneo.

Há quem faz do sofrimento um pilar, um passo para a sabedoria, um aprendizado, uma busca para uma vida mais saudável, mais leve. Isso é equilíbrio, saber encontrar positividade no sofrimento, saber encontrar paz para as feridas da alma. É sabedoria que se aprende. É resiliência.

Mas há aqueles que fazem do sofrimento troféu, disputa árida e exaustiva. “Somente eu sofro”; “Meu sofrimento é maior do que o dos outros”; “Ah minha filha, se eu te contar a minha vida, você vai saber como eu sofro”. É um sofrer que vira capa de revista famosa, destaque do jornal. E a voz firme e vantajosa “veja como eu sofro”. 

É uma lástima enjoativa que alimenta o falso ego, encorajando a covardia da própria alma. Temor do abandono, de caminhar com os próprios pés, de assumir a direção da própria vida. Temor de não poder mais culpar o outro, de enxergar a própria culpa. Carência afetiva que não encontra outra forma de se expressar, uma forma mais branda, mais calma, mais doce. Não, só sabe ser angustiante.


É uma verborragia nauseante que pesa aos ouvidos de quem escuta, aflige o coração e a alma. Desmorona qualquer situação de leveza, deixando as cores mais escuras e os ombros mais pesados. É uma repetição contínua, que não sabe ouvir, não sabe falar, nem expressar ou elaborar. Os olhos perdidos na prateleira dos troféus de falso ouro. Um sofrimento, uma vitória (por aí vai). E por vezes, é possível confundir o saborear do sofrimento misturado com o prazer.

É isto, para essas pessoas, o sofrimento é prazeroso, é vitória. Mas é preciso contar ao mundo, porque colecionar troféus não serve, é preciso exibi-los. Este sofrimento santificado não passa de um grito desesperado “tenham pena de mim”. 

Por isso, filtre os ouvidos e o pensamento. Filtre o olhar. Proteja a alma. Absorver é carregar o peso de um troféu amargo que não é seu.







[Suzanne Leal]

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Homem é assim mesmo

Em meio àquelas conversas julgadoras que tanto insistimos em apontar os defeitos outros (ou pelo menos aquilo que achamos ser defeito – desde já digo que, a meu ver, defeito é apenas um ponto de vista), me deparei com uma discussão ríspida entre três colegas, em que duas julgavam agressivamente os defeitos da outra. A questão é que a terceira pessoa não estava presente para se defender e provavelmente nem tomará conhecimento da tal discussão e das referidas más descrições que lhe eram feitas.

Longe de mim dizer que não existem julgadores ou que eu não seja uma, julgar faz parte de uma seleção natural que fazemos ao escolher o que é melhor pra si, é questão de sobrevivência. Mas muitas vezes tomamos esse julgamento como certo, como verdade universal, não questionamos, não analisamos, ficamos cegos e presos as amarras de um único ponto de vista. Ponto de vista este, que muitas vezes, é visto com olhar de inveja, despeito, frustração ou talvez seja apenas um medo danado de olhar pra si e enxergar sua própria escuridão. Ou vai dizer que na sua cabeça só existem pensamentos angelicais?

O tema chave na discussão era “traição”, mas não qualquer traição, mas sim a traição da mulher. A tal terceira moça, que estava traindo o namorado com outro, foi chamada de adjetivos nada agradáveis como vadia, puta, vagabunda e por aí vai. Enquanto a conversa se pairava sob um julgamento cruel como se fosse o dedo de Deus crucificando o pior ser humano da face da Terra, eu fiquei me questionando e pensando sobre todas aquelas palavras que estavam sendo despejadas aos berros. Acontece que o “amante” também tinha namorada e eu lancei a pergunta “mas ele – o amante - também não tinha namorada?”. A resposta foi curta, grossa e MACHISTA “homem é assim mesmo” e dá-lhe mais xingamentos, pra ela, claro.

O ponto aonde eu quero chegar é que as mulheres reclamam tanto dos homens e da nossa cultura machista, e não percebem que elas mesmas também adotam essa postura e trazem para si como verdade universal, não questionam, não pensam, não avaliam suas próprias atitudes. E isto, claro, é bem favorável a tal terrível cultura machista. Desde pequenos somos ensinados que homem que trai “é assim mesmo” e mulher que trai “é vagabunda”. É uma lógica machista que as próprias mulheres adotam. Que eu saiba, desejo não tem sexo.

Se o machismo existe e tanto reclamamos, a culpa não é só dos homens, também é nossa que propagamos da mesma visão. Saímos por aí aos berros julgando a nós mesmas. Um julgamento que já vem das nossas mães, avós, tias, etc. Será que isso é algo tão difícil de enxergar? Provavelmente. Abrir-se para novos pensamentos traz instabilidade na alma, nos tira do ponto seguro que tanto insistimos em ficar (mesmo que ruim). Mas não aconselho uma vida estável. Pelo menos não pra mim. 

Quanto à discussão mencionada anteriormente, ela continuou pelo mesmo buraco cego e machista. Foi um discurso perdido (zero pra mim). E ao tentar suscitar uma reavaliação de seus pensamentos tão fechados (e machistas), os tiros se voltaram contra mim. 

Assim fica difícil né, meninas! 


[Suzanne Leal]