terça-feira, 3 de julho de 2012

Aristóteles - Os homens são bons




"Os homens são bons de um modo apenas, porém são maus de muitos modos"

(Aristóteles, Ética a Nicomaco)

Terapeuta em análise





"O terapeuta também está em análise, tanto como o paciente...razão porque também está exposto às influências transformadoras. Na medida em que o terapeuta se fecha à esta influência, ele também perde sua influência sobre o paciente"


 (JUNG)

sábado, 23 de junho de 2012

Perls




"Você se decepcionou sozinho, ignorando o direito das pessoas serem o que são.
Então você é responsável pelo que está sentindo".



Fritz Perls

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A chave




“Nada posso lhe oferecer que não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo além daquele que há em sua própria alma. Nada posso lhe dar, a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo.”


Hermann Hesse

SONHOS





” … Quem olha para fora sonha; quem olha para dentro desperta … ”


Carl Jung

domingo, 17 de junho de 2012

EDUCAÇÃO




Quanto menos os pais aceitem seus próprios problemas, tanto mais os filhos sofrerão pela vida não vivida de seus pais e tanto mais serão forçados a realizar tudo quanto os pais reprimiram no inconsciente.


JUNG

O FENÔMENO UFO





- Ela [a humanidade] projeta então o símbolo unificador nos céus. Através desta projeção torna-se 'numinoso' e provido de forças míticas, e transforma-se no mito do salvador... mas considerando que os UFOs fossem fenômenos reais, materiais, de natureza desconhecida, neste caso poderia ser um fenômeno sincronístico (...). A situação psíquica da humanidade, por um lado, e o fenêmeno dos UFOs como realidade física do outro, não tem relação causal que possa ser reconhecida, mas parecem coincidir de forma significativa.

JUNG

PSICOTERAPIA





O terapeuta deve perceber a todo instante o modo pelo qual reage em confronto com o doente. Nâo se reage só com o inconsciente. É necessário perguntar sempre: `como meu inconsciente vive esta situação?' É preciso, pois, tentar compreender os próprios sonhos, prestar uma atenção minunciosa em si mesmo e observar-se tanto quanto ao doente, senão o tratamento poderá fracassar.


JUNG

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O INCONSCIENTE





O inconsciente sabe mais que o consciente mas seu saber é de uma essência particular, de um saber eterno que, frequentemente, não tem nenhuma ligação com o `aqui' e o `agora' e não leva absolutamente em conta a linguagem que fala nosso intelecto.


JUNG

AUTO-REPRESSÃO





O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera. Elas se mudam para a casa vizinha e poderão atear o fogo que atingirá sua casa sem que ele perceba. Se abandonarmos, deixarmos de lado, e de algum modo esquecermo-nos excessivamente de algo, corremos o risco de vê-lo reaparecer com uma violência redobrada.


JUNG

domingo, 10 de junho de 2012

Sonhos






"Os sonhos fornecem informações extremamente interessantes a quem se empenhar em compreender o seu simbolismo. O resultado, é verdade, pouco tem a ver com preocupações mundanas como comprar e vender. Mas o sentido da vida não é explicado pelos negócios que se fez, assim como os desejos profundos do coração não são satisfeitos por uma conta bancária"

Jung




"O sonho é uma porta estreita, dissimulada no que tem a alma de mais obscuro e de mais íntimo; abre-se sobre a noite original e cósmica que pré formava a alma muito antes da existência da consciência do eu e que a perpetuará até muito além do que possa alcançar a consciência individual"

Jung

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Mudanças necessárias







Deixo-te morrer. Deixo-te viver. Deixo-te doer. Deixo-te curar. Pego a estrada, o bonde, a nuvem. Agarro a estrela, o mar, a chuva. Se em mim despertar, se em mim acontecer, se for pra fugir, mesmo cansada, irei e correrei se preciso. Encontrarei fôlego e primavera. Com o entusiasmo e a vontade de uma criança. Com o brilho e a ternura do amor. Faço-me tão leve que anestesiarei os espinhos, estancarei o sangramento. Com curativos me faço renascer. É hora de acordar, de acontecer. De sonhos e de vida eu vou viver.

Suzanne Leal

quarta-feira, 6 de junho de 2012

TRANSEXUALIDADE: IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO. UMA REFLEXÃO SOBRE SUJEITO, DIREITO A PERSONALIDADE E SOFRIMENTO PSÍQUICO.


TRANSEXUALIDADE: IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO. UMA REFLEXÃO SOBRE SUJEITO, DIREITO A PERSONALIDADE E SOFRIMENTO PSÍQUICO.




RESUMO

Considerando a transexualidade como uma condição de intenso sofrimento psíquico, este trabalho objetiva compreender como se dá à construção de identidade no sujeito transexual, envolvendo possíveis causas de sofrimento psíquico. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, que visa buscar novas reflexões sobre o sujeito transexual, sua construção de identidade, possíveis causas de sofrimento e como o Direito compreende esta nova personalidade, abordando a dignidade humana em sua concepção na defesa pelos direitos que a ela é propicia. Ao ressignificar o seu corpo, o indivíduo transforma seu sentimento de identidade, que se desdobra em novas modalidades de vida, ocasionando uma série de questões subjetivas e discussões sociais. Daí a necessidade de desenvolver medidas que venham a amenizar possíveis causas de sofrimento, assim como a construção de novos trabalhos que visem questionar a normatização vigente atual, e que ofereçam subsídios no que cerne as práticas de saúde e promoção dos direitos a dignidade humana no âmbito das questões da transexualidade.


PALAVRAS-CHAVE: Transexualidade. Sofrimento Psíquico. Direito a Personalidade.


TRANSEXUAL: IDENTITY IN CONSTRUCTION.
A REFLECTION ON SUBJECT, RIGHT PERSONALITY AND PSYCHOLOGICAL DISTRESS.
ABSTRACT


Considering transsexualism as a condition of intense psychological distress, this study aims to understand how is the construction of identity in transsexual subject, involving possible causes of psychological distress. It is a bibliographical research, which aims at seeking new perspectives on the subject transsexual, its construction of identity, possible causes of suffering and and how the law understands this new personality, addressing human dignity in its conception in defending the rights which it is provides. When you reframe your body, the individual transforms his sense of identity, which unfolds in new ways of life, leading to a series of subjective questions and social issues. Hence the necessity of develop measures that will mitigate potential causes of suffering, as well as construction of new works that aim to challenge the regulation in force today, and offer subsidies in heart health practices and promotion of the rights to human dignity under the issues of transsexuality.

KEYWORDS: Transsexuality. Psychological distress. Right to Personality.


1 INTRODUÇÃO

Embasado na Psicanálise e nas leis judiciárias brasileiras, este trabalho consistiu em realizar uma pesquisa bibliográfica no sentido de buscar novas reflexões sobre o sujeito transexual, sua construção de identidade, possíveis causas de sofrimento psíquico e como o Direito compreende esta nova personalidade, abordando a dignidade humana em sua concepção na defesa pelos direitos que a ela é propícia.
A transexualidade se caracteriza por uma condição de intenso sofrimento. Trata-se de uma experiência que se dá não apenas por uma percepção de não pertencimento ao sexo dito biológico, mas, sobretudo, pela precariedade social proveniente da não aceitação desta condição por parte da normatividade cultural vigente, assim como pelo conflito de não pertencimento ao sexo biológico como também pelas inúmeras conseqüências sociais intrínsecas a esta condição. Em decorrência disto, pode-se manifestar tentativas de suicídio, depressão, transtornos alimentares e angústia, entre outros.
Para além das questões subjetivas mais singulares, esta problemática revela fundamentalmente a insuficiência da nossa categorização sexual, e demonstra como os sistemas classificatórios de sexo e gênero utilizados pelos especialistas se constituem através de uma operação de exclusão.
Com relação aos direitos legais, sabe-se que a mudança de nome em decorrência de cirurgia para mudança de sexo, no caso dos transexuais, não tem previsão legal expressa, mas os juízes das varas de registros públicos têm deferido com base no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição Federal) e pela lei de registros públicos (Lei 6015/73).
Considerando que, o sofrimento psíquico do transexual não se dê somente pela necessidade da mudança no sexo biológico, mas também pela necessidade de ser reconhecido pelo seu sexo psíquico, tornou-se necessário a discussão sobre medidas que venham a amenizar possíveis causas de sofrimento, assim como o desenvolvimento de novos trabalhos que visem questionar a normatização vigente atual.
A presente pesquisa sobre “Transexualidade: identidade em construção. Uma reflexão sobre sujeito, direito a personalidade e sofrimento psíquico”, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, referente ao trabalho de conclusão de curso de pós-graduação em Psicologia Jurídica do Centro de Ensino Unificado – CEUT.
Teve como objetivo compreender como se da à construção de identidade no sujeito transexual, envolvendo possíveis causas de sofrimento psíquico. Além de identificar como se dá a construção dessa nova personalidade, a partir de uma visão de sujeito; verificar os possíveis fatores sociais e pessoais que venham a causar sofrimento psíquico no sujeito transexual; identificar e fazer uma análise crítica dos possíveis significados relacionados a esses fatores.
O anseio por compreender este tema surgiu durante as aulas do curso de pós-graduação em Psicologia Jurídica, quando através de um estudo teórico mais profundo e de discussões com o orientador, a pesquisadora teve oportunidade de perceber que se trata de um tema muito relevante atualmente, além de referir-se a direitos individuais inerentes a cada indivíduo e de expor a carência jurídica no que cerne à omissão do direito brasileiro às disposições dos transexuais, em todos os ramos e formas jurídicas.
Este fato influenciou diretamente na escolha profissional da pesquisadora por uma área de atuação dentro da psicologia jurídica, por referir-se a direitos que correspondem à dignidade humana em todos os seus aspectos, tornando-se assim, um construto que direcionará a um desempenho profissional.
O sentimento de inadequação em relação à conformação genital pode se desdobrar em inúmeras formas de sofrimento no sujeito transexual, além da necessidade de ser reconhecido por seu sexo psíquico. Por isso, de acordo com as articulações teórico-metodológicas que fornecem elementos para as reflexões aqui propostas, busca-se fazer uma análise crítica para o debate acerca de campos discursivos que produzam trabalhos que venham a amenizar o sofrimento do sujeito transexual, em suas dimensões clínica e jurídica. Para isto, aliam-se os saberes dos campos da psicanálise, da saúde e do direito.
Espera-se que essa pesquisa contribua para o constructo de novos campos de estudo, propondo práticas que tragam oportunidades de enfrentamento, relacionado a questões sociais, familiares e pessoais, contribuindo, inclusive para o esclarecimento, dentro do Direito, da importância do transexual ser reconhecido não somente pelo nome que corresponde ao seu sexo, mas também como pertencente ao mesmo. Além do mais, sabe-se que o número de transexuais que sofrem violência física e psicológica é um fato que impossibilita muitos deles de terem uma boa convivência social, e de sentirem-se livres para poderem agir como si mesmos.
Para o desenvolvimento deste trabalho foi realizado uma pesquisa bibliográfica, constituída principalmente de artigos científicos e livros, permitindo a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla, servindo como fundamentação para análise da pesquisa. Esta revisão teve o intuito de fazer uma análise crítica sobre o sujeito transexual, seu direito a personalidade e possíveis causas de sofrimento psíquico.
O levantamento bibliográfico consistiu basicamente na recuperação dos dados impressos (“de papel”) ou dos arquivos eletrônicos (“bits de informação”). Tais dados podem ser obtidos tanto em bibliotecas físicas ou virtuais, como é o caso da própria Internet, com suas listas de discussão, acesso online direto à literatura científica, correio eletrônico, listas de discussão, etc (SEVERINO, 2000).
Desde as primeiras etapas da pesquisa, foi realizada uma avaliação crítica deste material, rejeitando informações claramente inadequadas, mal produzidas ou redundantes. Isto demandou um enorme senso crítico da parte do pesquisador.
O método utilizado para realizar a pesquisa bibliográfica foi o estudo qualitativo. Este estudo trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2002).
A pesquisa qualitativa foi escolhida porque aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas, preocupando-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado, respondendo a questões muito particulares (MINAYO, 2002).
A análise bibliográfica foi feita de forma regular e sistematizada, em que foi possível identificar as informações e os dados constantes dos documentos levantados; estabelecer relações entre estas informações e o problema proposto; analisar criticamente a consistência e coerência das informações e dados apresentados por outros autores (SEVERINO, 2000).
A leitura analítica e interpretativa teve por objetivo ordenar e sumariar as informações obtidas, estabelecendo relações com a temática escolhida e com o problema específico da pesquisa.
Dessa forma, se tornou possível realizar uma análise crítica do tema que se desejou conhecer.


2 TRANSEXUALIDADE: IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO - UMA VISÃO DE SUJEITO.

O transexualismo trata-se de um fenômeno cuja discussão e problemática refere-se ao âmbito da identidade sexual. O sujeito sente-se pertencente ao sexo oposto, o que o leva a se submeter a tratamentos hormonocirúrgicos e resignação sexual e mudança na identidade civil. Este tema traz discussões acerca das noções de identidade sexual, normalidade e patologia.
Segundo Chiland (2008), a palavra transexualismo se desenvolveu em três etapas. Inicialmente, em 1923, Magnus Hirschfeld, sexólogo alemão, utilizou o termo transexualismo psíquico ou da alma a propósito dos intersexuados, indivíduos cuja genitália apresenta constituição ambígua, e para os quais a designação de um sexo através da intervenção cirúrgica teve como efeito sofrimento psíquico. Em 1949, D. O. Caudwell intitulou um artigo "Psychopatia transexualis" a propósito do que hoje entende-se por transexualismo feminino para masculino. Finalmente, Harry Benjamim, em 1953, especifica a condição transexual em sua diferenciação tanto do homossexualismo, quanto do travestismo.
Atualmente os compêndios nosográficos da medicina incluem transexualismo dentre as patologias que enumeram. Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID 10) da Organização Mundial de Saúde (1993), há referência a 'transtornos de identidade sexual', que inclui o transexualismo como um desejo persistente de viver e ser reconhecido como um membro do sexo oposto, implicando um desconforto em relação ao sexo anatômico e busca de tratamentos hormonais e cirúrgicos, visando à adequação do corpo tanto quanto possível ao sexo preferido.
O Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais, DSM-IV, da Associação Psiquiátrica Americana (1995), classifica o transexualismo como uma das formas de 'distúrbios sexuais e de identidade de gênero', sendo o sentimento de inadequação para com o papel social inerente ao sexo anatômico, aliado à forte sensação de desconforto em relação ao próprio sexo. A característica marcante do transexualismo está no profundo desconforto e sentimento de inadequação das características sexuais marcadas no corpo anatômico, mais especificamente conhecido como disforia de gênero.
Millot (1992) defende que o transexualismo é um "sintoma de civilização", um "fenômeno essencialmente moderno". Com isso, foi dado um lugar simbólico à transexualidade, através da inclusão da consideração desta possibilidade de subjetivação no campo das patologias. Em que, segundo Bento (2003), o transexualismo foi incluído na mesma versão do manual da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-III), no ano de 1980, em que oficialmente se retira o homossexualismo do compêndio nosográfico.
Em contrapartida a este lugar simbólico, a ciência ofereceu, através do ideal moderno da técnica, uma resposta para o impasse que a transexualidade apresenta, que seria a cirurgia de transgenitalização como estratégia terapêutica, além de tratamentos hormonoterapêuticos.
Robert Stoller (1982), psiquiatra e psicanalista, descreveu e teorizou de forma detalhada a experiência transexual, trazendo para a psicanálise a noção de gênero. Segundo o autor, a definição de transexualismo se baseia principalmente em três aspectos: um sentimento de identidade permanente, uma crença (no caso do transexualismo masculino) numa essência feminina sem ambigüidades; uma relação com o pênis vivida “como horror”, não existindo nenhuma forma de investimento libidinal; uma especificidade na relação com a mãe que o autor chama de simbiose, conseqüentemente, considerando como um fator patológico.
O mesmo autor aborda que as concepções de masculino e feminino variam de acordo com cada cultura e mudam com o passar do tempo, podendo dizer que o conceito de gênero reúne aspectos psicológicos, sociais e históricos, associados a masculinidade e a feminilidade.
Sabe-se que gênero não é uma construção social imposta a uma matéria anteriormente determinada (o sexo), e sim a possibilidade de a constituição e o reconhecimento de uma trajetória sexuada, a qual adquire uma estabilidade em função da repetição e da reiteração de normas. Assim, é importante pensar através de que normas reguladoras se materializam os sistemas “sexo-gênero” (BUTLER, 2003).
Seguindo esta questão, os efeitos de gênero, ou mesmo de corpos, entendidos como produção de subjetividades, emergem na modernidade através da reiteração da matriz heterossexual constituída ao mesmo tempo pela dominação masculina e pela exclusão da homossexualidade. A força da normatização se dá justamente pelo recalque, pelo repúdio ou mesmo pela foraclusão deste território que deve permanecer inteligível, fora das possibilidades de reconhecimento e de simbolização (ARÁN, 2006).
Assim, segundo Butler (2003), esta tensão paradoxal permite compreender que se o gênero é uma norma, ele também pode ser fonte de resistência. Desta forma, uma concepção normativa de gênero pode desconstruir a subjetividade de uma pessoa, destruindo gradativamente a capacidade de ela persistir em uma vida considerada viável ou até vivível. Porém, a experiência de desconstrução de uma restrição normativa pode inaugurar uma nova construção de si, permitindo mudanças, alargamento de fronteiras e novos modos de vida. Como a maioria das pessoas não pode viver sem ser em parte reconhecido como humano, então o reconhecimento do sexo e do gênero é o que permite a possibilidade de sua existência.
A psicanálise lacaniana aborda que não são os traços físicos que definem o pertencimento do sujeito a este ou aquele sexo, mas que o sujeito é visto em sua singularidade. Singular também é a forma de gozo do sujeito, sendo o corpo seu espaço de direito. Na perspectiva lacaniana estruturalista, o simbólico, estrutura de representação baseada na linguagem, regula o sexo, formando diferentes posições, o masculino e o feminino. Além do que, a constituição da identidade sexual depende da passagem pelo Édipo e da castração simbólica (LACAN, 1957-1958/1999)
Para Stoller (1982), os fatores biológicos, psicológicos e biopsíquicos contribuem para a formação da identidade. Alterações intrínsecas a esses fatores podem influenciar no desenvolvimento da identidade, fazendo o sujeito entrar em contradição com seu sexo anatômico.
De acordo com Freud é a partir do Édipo que o sujeito inscreve-se como homem ou mulher. Em contrapartida, Butler (2003) ressalta que a produção dos conflitos, não está no sujeito, mas nas normas de gênero, nos mecanismos históricos e sociais que produzem identidades patologizadas. Retrata ainda que anatomia, gênero e sexualidade são modalidades relativamente independentes na constituição da identidade e que são as instituições políticas e as práticas sociais que produzem as noções heteronormativas de sexo, gênero e sexualidade.
O ponto em questão é que os padrões de masculinidade e feminilidade construídos socialmente, a definição do que seria homem e mulher tende a ser refletido na definição que se tem do transexual. Não há uma única forma de se vivenciar a transexualidade, assim como não há uma única forma de se viver a masculinidade e a feminilidade (COSSI, 2010). Portanto, pode-se dizer que o transexual reivindica uma posição definida no reconhecimento quanto ao pertencimento ao gênero masculino e feminino, já estabelecidos socialmente.
3 POSSÍVEIS CAUSAS DE SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRANSEXUAL.
O sentimento de inadequação em relação à conformação genital pode se estender em inúmeras formas de sofrimento. Para a psicanálise, não apenas o sexo verdadeiro da pessoa é buscado, mas também a verdade humana escondida entre os genitais ou em suas representações psíquicas (OLIVEIRA, 2010). A transexualidade dá palavras à angústia de castração, mas também remete à necessidade veemente de encontrar um estado subjetivo ainda não assegurado, uma identidade que o faça sentir-se condizente consigo mesmo. Neste sentido, compreende-se que o pedido de ajuda de transexuais, que na maioria das vezes chega na forma da reivindicação cirúrgica, é também um pedido de ajuda de uma estabilidade narcísica, de um reconhecimento social da sua identidade, que se dá através de uma busca por um estado subjetivo, que muitas vezes é negada pelo outro.
A condição de intenso sofrimento psíquico pode aparecer sob a forma de tentativas de suicídio, depressão, transtornos alimentares e angústia das mais diversas formas o que é provocado não apenas pelo conflito de não pertencimento ao sexo biológico como também pelas inúmeras conseqüências sociais intrínsecas a esta condição (ARAN, ZAIDHAFT e MURTA, 2008). Ou seja, não se pode perder de vista o contexto social e cultural no qual os sintomas aparecem, já que o risco de patologização de um problema social está presente.
Além do mais, é fato que a vivência da transexualidade pode acarretar problemas relacionados à vida psíquica, em geral definida pelo não-reconhecimento e exclusão social, assim como também por dificuldades provenientes de problemas familiares, em relação a sua identidade sexual, e de relacionamentos sexuais e afetivos.
Ainda com relação a personalidade do sujeito, Bento (2006) diz que não existe um processo específico de construção das identidades de gênero nos transexuais. Porém, é válido destacar que na atual sociedade, esta prática ainda está totalmente marcada pela discriminação e pela exclusão.
Está presente no DSM IV que a definição de sofrimento e prejuízo para o indivíduo limita-se ao desconforto por não haver conformidade entre sexo e gênero. No entanto, sabe-se que, tentativas de suicídio, riscos de contrair HIV e prostituição, podem ser conseqüências da discriminação e do preconceito e não meramente de características isoladas, associadas ao Transtorno de Identidade de Gênero (WINTERS apud ARAÚJO, 2010).
Neste sentido, o DSM IV confunde “não conformidade cultural” com doença mental, e assim evita focar o diagnóstico na remissão da disforia de gênero, fazendo valer a norma binária de gênero, em detrimento do sofrimento humano.
De acordo com Zambrano (2003), a permissão para a troca de nome e sexo no registro civil, independentemente da realização da cirurgia, resolveria o problema mais agudo da vida cotidiana dos transexuais, causadores de intenso sofrimento. Considera-se então a possibilidade de mudança de nome como sendo um processo fundamental na construção e redefinição do gênero. Sendo que, não há sentido no tratamento cirúrgico e nas modificações corporais se estas não forem acompanhadas pela mudança do registro civil.
Um fato concreto existente são as manifestações discriminatórias que inibem o sujeito socialmente, também acarretando sua vida emocional e psíquica. No Brasil, já existem leis que proíbem tais manifestações como forma de inibir ou reduzir o preconceito com relação aos transexuais. Trata-se da “Lei anti-disriminatória do Estado de São Paulo” (Lei Estadual n.º 10.948/01; Resolução SJDC -133, de 14-7-2003; e Resolução SJDC - 88, de 19-8-2002), que tem como objetivo coibir e reduzir práticas abusivas como: ações violentas, constrangedoras, intimidatórias ou vexatórias, proibições de ingresso ou permanência em local público ou privado, práticas de atendimento selecionado, tratamentos discriminatórios por ocasião de hospedagem, tratamentos discriminatórios por ocasião de alienações de bens móveis ou imóveis, demissões diretas ou indiretas em razão da orientação sexual, inibições ou proibições de acesso profissional em estabelecimento público e privado, e livres expressões e manifestações de afetividade. Nesses casos, qualquer pessoa será passível de punição, exercendo função pública ou privada, civil ou militar bem como toda organização social ou empresa com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas neste Estado, caso pratique algum ato atentatório.
Cabe ressaltar que grande parte do conflito interno do transexual advém da desaprovação social quanto a sua conduta. Segundo Chiland (2008) o desejo do transexual é ser reconhecido e tratado pelo parceiro como um efetivo membro do sexo que atribui a si mesmo. O mesmo autor ainda ressalta que os transexuais operados podem viver como um ser do outro sexo, mas sabem que a cirurgia não os transformaria num homem ou numa mulher completos.
Portanto, a identidade sexual pode ser considerada resultado do aprendizado do papel de gênero, em que de acordo com Castel (2001) esses sujeitos têm consciência de seu papel. Em contrapartida, o autor ressalta que trata-se de uma visão reducionista do sexo, restringindo seu entendimento ao âmbito social, apoiado pelo fato da cirurgia possibilitar alívio do sofrimento.


4 UM OLHAR DO DIREITO SOBRE ESSA NOVA PERSONALIDADE.

A personalidade é parte do indivíduo que lhe é inerente, pois é através dela que a pessoa poderá adquirir e defender os demais direitos. No sistema jurídico atual, torna-se indissociável a personalidade enquanto conjunto mínimo de direitos do homem em si, ou seja, atribui-se um stander mínimo para a pessoa, sem o qual não se considera como indivíduo para o Direito (CAVALLI, 2007).
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Assim assegura o art. 11 do Código Civil, ao prescrever que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitações, salvo os casos previstos em lei.
De acordo com MORAES (2003), “o fundamento jurídico da dignidade humana manifesta-se, em primeiro lugar, no princípio da igualdade. O princípio da igualdade não sustenta o tratamento igual aos cidadãos, ao contrário, busca tratamento equilibrado mantendo o respeito aos grupos minoritários”.
De acordo com a Justiça, não é aceitável que a questão envolvendo o transexual esteja solucionada apenas no campo da medicina. Mesmo que não haja legislação que regule a questão, é preciso que se respeite o ser humano de acordo com sua orientação sexual (CAVALLI, 2007).
A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito humano fundamental decorrente de sua própria natureza. É um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade.
O Direito reconhece a existência de dois sexos: “feminino” e “masculino”. Nesse sentido, o indivíduo sempre será identificado como pertencente a um desses sexos, inclusive, para o exercício de seus direitos, seja de família, previdenciário, etc.
No entanto, a problemática da identidade sexual trata-se de algo muito mais abrangente do que seu simples sexo morfológico. Deve-se, portanto considerar o comportamento psíquico que o indivíduo tem diante de seu próprio sexo. Daí resulta que o sexo compõe-se da conjunção dos aspectos físicos, psíquicos e comportamentais da pessoa, caracterizando-se, conseqüentemente, seu estado sexual.
O sexo legal, civil ou jurídico é aquele que consta na certidão de nascimento do indivíduo, que é feita no Cartório de Registro Civil das Pessoas Natural. Consiste na determinação do sexo de um indivíduo em razão de sua vida civil, ou seja, nas suas relações na sociedade. O sexo jurídico, também chamado de sexo legal, é definido pela simples observação externa do órgão genital do nascituro, por essa análise é feito o registro de nascimento, onde constará o sexo da pessoa (masculino ou feminino).
O sexo psíquico ou psicossocial diz respeito à reação psicológica do indivíduo frente a determinados estímulos. É aquele sexo em que o indivíduo, realmente, acredita pertencer, sendo resultante do intercâmbio genético, fisiológico e psicológico que se formou dentro de uma determinada atmosfera sociocultural.
No Brasil não existe uma lei que vise a regularizar esta questão. A doutrina e a jurisprudência têm alocado o direito do transexual tão somente como um dos aspectos dos direitos da personalidade. Portanto, não se pode considerá-lo dessa forma, já que o transexual busca a melhor forma para resolução do seu problema, que pode ser a cirurgia ou o tratamento hormonal.
Entretanto, hoje não somente a doutrina, mas também os Tribunais Judiciais admitem a cirurgia desde que tenha por escopo corrigir desajustamento psíquico, tratando-se, pois, de procedimento curativo. Há assim, na espécie, não o dolo de lesionar, mas a intenção de diminuir o sofrimento psíquico do indivíduo, sendo o fato, portanto, atípico.
No âmbito do Direito Civil esta questão apresenta traços de maior complexidade. Este ramo do direito tem por escopo a tutela do homem, como ser humano, sua personalidade, sua dignidade e suas relações familiares.
Com todo esse entrave e a árdua superação no campo médico, os indivíduos redesignados ainda têm de buscar o Judiciário, no intuito de retificar o seu registro civil, no que tange o seu prenome e estado sexual, visto que o mesmo está em desacordo com sua atual realidade e reconhecimento de si mesmo.
As ações devem ser pleiteadas junto às Varas de Família, por versarem sobre o estado das pessoas e não mera retificação de registro, ouvido o Ministério Público como fiscal da lei. No entanto, muitas vezes, têm sido propostas perante as Varas de Registros Públicos, sendo que não configuram caso de ocorrência de erro no assentamento do registro; o que gera o agravamento dos entraves para a solução dos casos propostos no ramo jurídico.
O prenome, ou nome como conhecido popularmente possui grande importância na vida do indivíduo, pois é fator de identificação e individualização do sujeito perante sua família e a sociedade. Trata-se do reconhecimento social pela sua identidade sexual.
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Segundo Chiland (2008) certos transexuais se contentam apenas com a mudança de sua identidade civil, em que poder viver como um ser do sexo oposto parece ser mais importante do que alterar cirurgicamente o próprio corpo.
O Código Civil no art. 16 dispõe que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. A Lei de Registros Públicos estabelecia em seu art. 58 a imutabilidade do nome. A Lei n.º 9.708/98, de 18 de novembro de 1998, alterou em parte esse dispositivo, ao prescrever que o prenome será definitivo, podendo ser substituído por apelidos notórios, desde que não vedados por lei.
Em decorrência disto, ao se deparar com um prenome pelo qual não é reconhecido, que não o identifica e não exprime a realidade, o transexual encontra uma barreira acentuada para essa mudança, pois existe uma expressiva corrente jurisprudencial contrária a essa retificação do registro civil, mesmo após a intervenção cirúrgica. Gonçalves (2003) defende que a intervenção cirúrgica para a constituição do sexo oposto não se mostra suficiente para a transformação, pois a conceituação de mulher decorre da existência, no interior do corpo, dos órgãos genitais femininos: dois ovários, duas trompas que conectam com o útero, glândulas mamárias e algumas glândulas acessórias, etc.
Parte da doutrina admite a alteração no registro civil do indivíduo com fundamento no capítulo do artigo 58 da Lei de Registros Públicos, substituindo o seu prenome pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no ambiente em que vive. No entanto, o transexual não deseja adotar um apelido e sim, ser reconhecido como pertencente ao sexo oposto.
Assim, a indicação de prenome e estado sexual que não correspondem, em absoluto, à maneira como aparece em suas relações com o mundo exterior, significa condená-lo a uma situação de incerteza, angústia e conflitos, impedindo-o, ou ao menos lhe dificultando o exercício das atividades habituais como ser humano. Isso equivale negar-lhe o direito ao exercício da cidadania e ao princípio da dignidade humana.
A legislação brasileira não admite a alteração do prenome do transexual. Porém projetos de lei (como a nº 70 de 1995 que diz que § 2º Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário) e
até mesmo algumas decisões amparadas na analogia permitem a possibilidade dessa alteração.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No transexualismo, o sujeito contesta que sua identidade sexual está em desacordo com sua anatomia, exigindo muitas vezes, que esta seja reparada para que seu corpo se adéqüe a sua identidade. Em conseqüência, sua identidade civil também é contestada. Essas questões demandam intenso sofrimento psíquico, que merecem atenção, não só no que tange ao sofrimento mediante esta condição, mas também no que diz respeito ao direito universal à identidade e dignidade humana pertencente a qualquer indivíduo.
Este trabalho privilegiou a abertura de um espaço para o constructo de novos saberes no que diz respeito ao transexualismo. Além do que, existe um vasto campo de idéias ainda carentes de pesquisa, em que a transexualidade não deve ser abordada somente como um fator psíquico relacionado à identidade sexual, o que muitas vezes o limita ao patológico, mas deve estar interligado aos estudos históricos, sociais e culturais como importante fator na construção de identidades.
Durante as pesquisas, observou-se que a cirurgia da transgenitalização deixa de ser a única referência terapêutica para o sujeito transexual, e passa a compor um dos vários arranjos possíveis na construção de sexo e gênero, visto que para alguns, apenas o reconhecimento social de sua identidade sexual já é o suficiente.
Pode-se perceber, que o corpo do heterossexual é visto pela sociedade como modelo de corpo registrado pelas ciências sexuais, revelador da verdade fundamental sobre a sexualidade, enquanto que o corpo do transexual ainda traz consigo o estigma de patológico.
No Brasil o diagnóstico de Transtorno de Identidade de Gênero é exigência legal para todos os que desejam se submeter à cirurgia de transgenitalização, tornando essa questão como algo patológico e reducionista, no qual determina critérios diagnósticos para definir a identidade sexual e de gênero. Isto faz com que muitos aceitem o diagnóstico apenas para poder alcançar à intervenção cirúrgica.
Neste sentido, é importante um estudo mais aprofundado sobre o tema para que a psicoterapia, quando desejada e necessária, não fique capturada pela exigência institucional de confirmação de diagnóstico e nem pela indicação da cirurgia, mas que possa seguir trajetórias singulares de subjetivação, as quais permitam que a transexualidade possa ser vivida.
No Direito ainda não existe uma lei ou projeto de lei que regularize a mudança de nome ou o reconhecimento social do sexo escolhido. Além do que, discuti-se a questão que, para alguém ser considerado pertencente ao sexo masculino e feminino, ele deve possuir características inerentes a natureza de cada um. Como por exemplo, em algumas decisões judiciais são contestadas que para se pertencer ao sexo feminino, é necessário que o sujeito possua órgãos como útero e ovários, o que define a capacidade da mulher de gerar uma vida. Mas sabe-se que, muitas mulheres possuem estes órgãos, mas são consideradas pela medicina, como incapazes de gerar um filho, não cabendo a este fator ser considerado como algo determinante para a definição de uma identidade sexual.
Talvez o desafio de se pensar em diferença sexual esteja na estratégia de rever as inúmeras diferenças que constituem o ser humano, abrindo novas possibilidades no que diz respeito ao sexo, gênero e desejo, pautando sempre pelo direito a dignidade humana pertencente a todos. Além do mais, ao ressignificar o seu corpo, o indivíduo transforma seu sentimento de identidade, que se desdobra em novas modalidades de vida.
Espera-se que esta pesquisa traga uma abertura para a ampliação de discussões científicas, que ofereçam subsídios no que cerne as práticas de saúde e promoção dos direitos a dignidade humana no âmbito das questões da transexualidade.


REFERÊNCIAS

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Por: Suzanne Leal (psicóloga)

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"Erros são, no final das contas, fundamentos da verdade. Se um homem não sabe o que uma coisa é, já é um avanço do conhecimento saber o que ela não é"

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Jung

Conhecimento da verdade.



"O conhecimento da verdade é a intenção mais elevada da ciência e considera-se mais uma fatalidade do que intenção se, na procura da luz,provocar algum perigo ou ameaça. Não é que o homem de hoje seja mais capaz de cometer maldades do que os antigos ou os primitivo. A diferença reside apenas no fato de hoje ele possuir em suas mãos meios incomparavelmente mais poderosos para afirmar a sua maldade. Embora sua consciência se tenha ampliado e diferenciado, sua qualidade moral ficou para trás, não acompanhando o passo. Esse é o grande problema com que nos defrontamos. Somente a razão não chega mais a ser suficiente."


Jung

Existência Humana



"Até onde conseguimos discenir, o único
propósito da existência humana é acender
uma luz na escuridão da mera existência."

Carl Jung

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Câncer de Mama e Sexualidade Feminina - Os simbolismos existentes nessa relação.


Suzanne Maria de Carvalho Leal*

RESUMO
Este é um estudo qualitativo que teve como objetivo compreender como as mulheres portadoras e não portadoras do câncer de mama representam sua sexualidade, identificando os principais significados relacionados aos símbolos implicados nessas representações. Para o desenvolvimento do referencial teórico foi utilizado como base a Psicologia Junguiana, abordando questões sobre os significados dos símbolos como forma de expressão, os significados do adoecer, da sexualidade feminina e do câncer de mama. Foram entrevistadas 10 mulheres, 5 portadoras do câncer de mama e 5 não portadoras, escolhidas com base em sua acessibilidade. Como instrumento, utilizou-se a entrevista livre e figuras que remetem à sexualidade feminina. A análise do conteúdo das entrevistas possibilitou perceber que estes traduzem representações subjetivas da vivência de cada mulher, envolvendo o relacionamento familiar e conjugal, os diversos significados do seio, a percepção e o contato consigo mesma e sua sexualidade, bem como o medo da morte. Este trabalho mostrou que a vivência satisfatória das próprias sensações, de seus desejos, de permitir-se ser mulher, entrar em contato com seu corpo, com sua sexualidade e feminilidade, são essenciais para que cada mulher possa estar em equilíbrio, não construindo ou oportunizando o surgimento de doenças psicossomáticas como o câncer, doença  que surge como um sintoma, mostrando que algo no ser está disfuncional e precisa de atenção e de cuidado.

Palavras-chave: câncer de mama, sexualidade feminina, simbolismo


INTRODUÇÃO

Embasado na Psicologia Junguiana, este trabalho busca compreender como a mulher simboliza sua sexualidade com e sem o câncer de mama, retratando questões sobre o adoecer e identificando os possíveis significados relacionados aos símbolos implicados nessas representações.
Os seios são uma das representações de feminilidade da mulher, da sua sexualidade. É de se supor, portanto, que o câncer de mama expressa uma possível perda de contato consigo mesma, tocando profundamente sua estrutura emocional e física.
Considerando o sintoma como um símbolo e que o adoecer modifica a relação da mulher com o mundo e consigo mesma, este trabalho explora a questão da doença como uma representação simbólica da psique, considerando a interação entre psique, símbolo e sexualidade feminina, bem como enfatizando a totalidade do ser e a sua integração.
A presente pesquisa sobre “Câncer de Mama e Sexualidade Feminina – os simbolismos existentes nessa relação”, trata-se de um trabalho de conclusão de curso de graduação em psicologia e foi realizado em um Hospital Geral da cidade de Teresina-PI, durante o período de agosto a novembro de 2008.
Com o objetivo geral buscou-se compreender como as mulheres, com e sem o câncer de mama representam simbolicamente sua sexualidade.
Os objetivos específicos são: levantar através da literatura os símbolos utilizados na cultura ocidental sobre a sexualidade; verificar os símbolos femininos utilizados pela mulher para descrever sua sexualidade; identificar os significados possíveis relacionados às representações desses símbolos; e captar a percepção da mulher em relação à sua sexualidade depois do câncer de mama.
Para a mulher, os seios são carregados de forte acepção simbólica e vistos como uma insígnia de sua identificação e sua sexualidade. Por isso busca-se compreender como a ocorrência do câncer de mama pode influenciar na simbolização da mulher e de sua sexualidade, estudando a existência de diferenças antes e depois do surgimento da doença, contribuindo para a construção da subjetividade feminina.
Espera-se que essa pesquisa possa contribuir para a construção de propostas práticas que tragam melhor qualidade de vida para a mulher com câncer de mama, atenuando o impacto emocional, propiciando-lhe vivenciar melhor a sua sexualidade. E, contribuindo inclusive, para a não recidiva do câncer de mama.

REFERENCIAL TEÓRICO

A capacidade de reter, evocar e relacionar experiências sensoriais em forma de símbolos é um traço distintivo do ser humano, em relação ao reino animal. Assim sendo, o símbolo, ao substituir na mente a experiência em si mesma, permite ao homem elaborar, em seu intelecto, uma quantidade imensa de informações que envolvem a codificação dos dados sensoriais em forma de palavras ou imagens, a sua memorização, a sua correlação com outros símbolos e o raciocínio (JUNG, 2008).
Tomado nesse sentido, é evidente que o símbolo está intimamente relacionado a todas as manifestações tipicamente humanas. Assim sendo, utiliza-se o símbolo como abordagem deste trabalho, explorando seus significados diante do processo do adoecer da mulher com câncer de mama.
A palavra “símbolo” deriva da palavra grega symballein, que significa algo como juntar, reunir (DAHLKE, 2004).
Segundo Ramos (1994) o símbolo é a expressão da percepção do fenômeno psique-corpo, através de uma conexão inesperada entre imagens simbólicas da psique e de acontecimentos da realidade exterior.
Jung foi responsável por descrever categorias simbólicas e sua preocupação era mostrar que a intuição, a emoção e a capacidade de perceber e de criar por meio de símbolos são modos básicos de funcionamento humano.
Um funcionamento inadequado da psique pode causar tremendos prejuízos ao corpo, da mesma forma que, inversamente, um sofrimento corporal pode afetar a psique, pois ela e o corpo não estão separados (Jung apud Ramos, 1994).
A emergência de alguma doença no corpo é, em sua maioria, uma manifestação simbólica em que a psique codifica apresentando ao corpo de maneira consciente para que possa haver uma conscientização psíquica da manifestação simbólica (ALT, 2000).
Destaca-se também a idéia central de que os pacientes psicossomáticos se diferenciam dos demais pela pobreza do seu mundo simbólico. Frente a qualquer estresse, reagiria com uma doença somática. Neste caso, o símbolo aponta uma disfunção, um desvio que precisa ser corrigido (RAMOS, 1995).
Segundo Jung, um funcionamento inadequado da psique pode causar tremendos prejuízos ao corpo (JUNG, 2007).
De acordo com Dethlefsen & Dahlke (1996) a doença significa a perda relativa da harmonia dos traços psíquicos e corporais, se manifesta no corpo como um sintoma, indicando que alguma coisa não está em ordem.
Portanto, o adoecer mostra diversos significados que, de certa forma, interrompe no nosso modo de vida e de experienciar. É preciso compreender para onde o sintoma está apontando.
Passa-se agora a considerar a relação símbolo / sexualidade. Neste ponto, busca-se compreender o que a mulher deixa na sombra pra não ter na consciência, mostrando que uma representação simbólica pobre da sua sexualidade pode contribuir para a manifestação do câncer de mama.
O significado do seio e da sexualidade aqui abordado está ligado à cultura ocidental, que considera o seio como símbolo de sexualidade da mulher.
Para Seixas (1998) a sexualidade humana é uma construção da espécie, vinculada às formas de relação interindividuais. É uma função normal, aceitável sob qualquer forma que se apresente.
Ao longo da vida da mulher a mama sempre esteve relacionada, em nossa cultura e também em outras, à identidade corporal feminina e aos sentimentos de auto-estima, (SEDIKIDES e GREGG, 2003), sendo também símbolo extremamente narcisista (BASEGIO apud MALUF, 2008). Tudo isso reflete de forma diferente na construção da auto-imagem da mulher (DUGAS, 2000).
Gradim (2005) afirma que mulheres com câncer de mama sofrem alterações diretas em um órgão tido como erótico e ligado à sexualidade feminina. Isto poderá afetar fortemente na percepção da sua sexualidade e na sua vivência como mulher.
Em relação à construção da feminilidade, as mulheres que retiram a mama, por exemplo, relatam a sensação de estarem "incompletas", que perderam sua feminilidade (JESUS; LOPES, 2003).
O câncer de mama sinaliza que a suave maneira feminina tornou-se um empecilho para o domínio da vida, que a suavidade se transformou em dureza e que, se as circunstâncias o permitem, é preciso renunciar totalmente a uma parte da feminilidade (DAHLKE, 2004).
Portanto, o câncer de mama é entendido como uma mensagem na qual a mulher ainda pode buscar uma “correção” para sua totalidade de ser. Esta ‘correção’ pode não garantir o controle do câncer, mas possivelmente contribui para sobrevida e qualidade de vida significante para a mulher, que conseqüentemente poderá vivenciar melhor sua sexualidade.

METODOLOGIA

O método utilizado para realizar a pesquisa de campo foi o estudo qualitativo. Este estudo trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas (MINAYO, 2002).
A pesquisa foi realizada em um Hospital Geral da cidade de Teresina-PI, referência regional no tratamento do câncer.
Foi realizada com uma população de 10 mulheres, com idade entre 35 e 55 anos. Dentre estas, 5 foram mulheres que desenvolveram câncer de mama e 5 que nunca o apresentaram.
Inicialmente foi realizada uma entrevista (APÊNDICE A), apenas com o objetivo de traçar o perfil sócio-demográfico das entrevistadas.
Como procedimento de coleta de dados, foi utilizada a associação livre de idéias, método desenvolvido por Jung que trabalha através de símbolos. Para isso foram utilizadas figuras (APÊNDICE B) que remetem a sexualidade feminina, o qual visa fazer emergir conteúdos relativos a representação simbólica da sexualidade de cada mulher.
A associação livre de idéias permite a atualização de elementos implícitos ou latentes que seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas (GARCIA-ROSA, 2005).
Utilizou-se nas entrevistas um gravador de áudio com garantia de maior fidelidade.
A autorização para a coleta de dados foi obtida pelo termo de consentimento livre e esclarecido, documento que expressa o compromisso de cumprimento de cada uma das exigências definidas na Resolução CNS 196/96. Trata-se de uma declaração elaborada pelo pesquisador, em que se esclarece, ao sujeito voluntário, a pesquisa pretendida (BRASIL, 1996). E também segundo os critérios éticos do Conselho Federal de Psicologia, resolução nº 016/2000. Após a coleta dos dados foram identificados e analisados todos os dados obtidos através da análise de conteúdo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sabe-se que o câncer de mama reflete, ao mesmo tempo em que favorece, o surgimento de muitas questões na vida das mulheres, como implicações sociais, psicológicas e sexuais. A análise do conteúdo traduzem representações subjetivas, familiares e sociais em torno do câncer de mama e da sexualidade feminina, descritas neste trabalho como: relação conjugal, significados do seio, auto-percepção, relacionamento familiar, percepção da sexualidade e medo da morte. 
Em se tratando do modelo de relacionamento conjugal tradicional, os papéis de gênero são demarcados de forma rígida e a conduta feminina é enormemente controlada (HEILBORN, 2004).
As entrevistas mostraram que as mulheres com câncer de mama perceberam o relacionamento conjugal como ruim. A exemplo:
“Minha vida sexual não era mil maravilhas não, não era prazeroso, até porque meu esposo era grosseiro, não tinha afeto nenhum, mas eu o aceitava”. (Jasmim)
A submissão das mulheres à vontade sexual de seus maridos aparece neste estudo. Uma vez que, mesmo não tendo muito interesse pelo sexo naquele momento, elas o faziam. Uma delas mostra como se submetia a relação sexual contra a própria vontade para proteger os filhos ou preservar a imagem familiar:
“Quando ele chegava em casa, ele queria me obrigar a ficar com ele, eu me sentia forçada a ir, às vezes eu me sentia estuprada. (...) Eu me sentia obrigada a ter relações com ele pra evitar alarme (...) pra proteger os filhos”. (Tulipa)
Dentre as mulheres não portadoras do câncer de mama, todas elas relatam um relacionamento conjugal prazeroso. Destacam-se a seguinte fala:
“Meu marido me ensinou que nada disso é pecado, que é uma coisa muito natural”. (Lírio)
Isso mostra que estas mulheres conseguiram despertar-se para a sua sexualidade e sua feminilidade, relacionando-se bem consigo mesma e com o parceiro.
Costa (2004) relata que as mamas são zonas erógenas fundamentais, cuja estimulação isolada em algumas mulheres pode levar a atingir o orgasmo. Duas das entrevistadas não portadoras do câncer de mama, trazem o prazer relacionado ao seio:
“(...) até mesmo em pegar (fala se tocando), é bom demais. Meu seio faz eu sentir alguma coisa né... prazer... e saúde também”. (Azaléia)
Uma das portadoras que retirou um quadrante de um dos seios, destacou o seguinte:
“(...) falta um pedacinho" (Jasmim)
A dificuldade de se ver ou de se ter um corpo mutilado pode trazer sentimentos que terão que ser trabalhos introspectivamente para aceitar a situação e, quando ela ocorre em um órgão de identificação feminina, leva a mulher a reconstruir um conceito sobre esse novo corpo.
Uma das portadoras do câncer de mama relata o seguinte:
“Quando eu tirei, me senti nua (...)”. (Tulipa)
Isso mostra a dificuldade de entrar em contato com seu novo corpo e consigo mesma, simbolizando o seio como uma identidade, que lhe dava segurança e proteção.
Quanto ao contato / percepção do corpo, um ponto importante a destacar é que uma das mulheres portadoras do câncer de mama passou a ter maior contato com seu corpo, a se conhecer, se perceber, após o surgimento do câncer. Como afirma a teoria da doença como oportunidade de crescimento, o câncer surgiu como uma forma dela entrar em contato com seu próprio corpo e consigo mesma. A exemplo:
“Não me dava conta do meu corpo (...). Hoje cada pedacinho do meu corpo é importante pra mim”. (Girassol)
A perda do seio pode ter um impacto significativo, causando distorções na auto-imagem e na percepção de si mesma. Destaca-se a seguinte fala:
“Me sinto desigual das outras” (Hortência)
Nesta fala nota-se o sentimento de “diferente, desigual”, mostrando que esta mulher ainda não desenvolveu estratégias para lidar com as dificuldades conseqüentes à alteração da imagem corporal.
Às vezes uma doença / sintoma apontam que algo está errado, que precisa de atenção e de cuidado, como aparece na fala de uma entrevistada portadora do câncer de mama, que passou a se perceber e se amar após o surgimento da doença:
“(...) eu aprendi a me amar”. (Girassol)
Duas das entrevistadas não portadoras do câncer de mama destacam a educação rígida e o conservadorismo da família ao falar sobre sexualidade. A exemplo:
“(...) eu sempre tive uma educação... assim, muito rígida, muito travada, onde sexualidade era um tabu. (...) falar de prazer sexual era um verdadeiro absurdo”. (Lírio)
Apesar da educação rígida recebida, essas mulheres puderam se perceber como mulher e descobrir sua sexualidade após o relacionamento com o parceiro.
A sexualidade é inerente ao ser. De um modo geral, sabe-se que a doença nem sempre é um obstáculo para a prática sexual. No caso de mulheres com câncer de mama, há alteração direta em um órgão tido como erótico e ligado à prática sexual (GRADIM, 2005).
Uma fala mostra como a entrevistada (não portadora do câncer de mama) simboliza sua sexualidade como uma borboletinha, mostrando que hoje ela possui um contato maior, mais seguro e mais experiente com sua sexualidade:
“Uma borboletinha... é isso! Antes ela voava meio sem rumo e hoje ela já sabe a altura que ela voa”. (Camélia)
Uma das mulheres portadoras do câncer de mama retrata que após a perda da mama havia perdido sua sexualidade. Ela associa o seio como um fato denominador da sua sexualidade:
“Quando eu perdi a mama, senti que não tinha mais”. (Tulipa)
A temática confirmação do câncer de mama é geralmente associada a uma doença com desfecho ruim, a possibilidade da morte. Uma das entrevistadas enfatiza não se importar em perder o seio, contanto que ainda possa viver:
“(...) não me importo em tirar o seio, pode tirar tudo, se for pra salvar a minha vida e viver mais”. (Violeta).
Estes relatos mostram que mais uma vez o câncer está associado a uma doença carregada de negatividade que momentaneamente parece afastar qualquer sentimento de esperança para a continuidade da vida.
Segundo Rossi; Santos (2003) ao receberem o diagnóstico de câncer de mama as mulheres passam a ter consciência da morte iminente, além de sentimentos como tristeza e angústia.
Por isso, constata-se que o medo da morte é um fator muito presente em pessoas que desenvolveram o câncer.

CONCLUSÃO

Inicialmente, ressalta-se que a utilização das figuras serviu de apoio para o surgimento dessas questões, mas por serem algo que merecem uma análise mais aprofundada e mais atenção, elas serão utilizadas para a discussão e análise em um outro trabalho.
Culturalmente a mulher ainda é criada e educada para ser mais reservada e não demonstrar desejo. No conteúdo das entrevistas, percebe-se a submissão de algumas mulheres portadoras do câncer de mama à vontade sexual de seus maridos em detrimento da sua.
Nota-se que as mulheres não portadoras do câncer de mama puderam vivenciar e experienciar várias questões subjetivas referentes à sexualidade e a feminilidade, sentindo mais prazer, tocando-se, conhecendo-se. Já as portadoras do câncer de mama tiveram menos prazer, menor contato consigo mesma e com o corpo.
Foi possível, entretanto, observar que algumas das mulheres portadoras do câncer de mama apresentaram dificuldade no que diz respeito ao relacionamento conjugal. Três delas se divorciaram e ficaram vários anos sem manter nenhum tipo de relacionamento amoroso ou sexual, dedicando-se apenas ao cuidado dos filhos.
As não portadoras do câncer de mama fazem uma avaliação positiva em relação a sua auto-imagem e a sua auto-estima. Já as portadoras fazem uma avaliação negativa a respeito do seu corpo, com exceção de uma delas que se percebe positivamente, mas ressalta-se que isso ocorreu somente após o surgimento do câncer.
Para uma das entrevistadas, portadora do câncer de mama, a doença surgiu como uma possibilidade de contato consigo mesma, onde ela passou a se dar valor e a se amar depois do aparecimento da doença. A mudança desta mulher mostra que mesmo após seu surgimento, ainda é possível se amar, se valorizar, ter desejo, ter prazer, ser mulher.
A sexualidade, como qualquer outro campo da vida do indivíduo, requer um aprendizado que se faz socialmente, fazendo parte do construto da identidade feminina e de como a vivenciamos. Isso pode contribuir para que a mulher entre em contato ou não com os aspectos subjetivos da sexualidade e feminilidade.
O sintoma surge como uma possibilidade de voltar ao equilíbrio, mostrando que algo no ser está disfuncional e precisa de atenção e de cuidado.
Ressalta-se que existem diversas pesquisas que envolvem e discutem incessantemente questões referentes ao medo, aos conteúdos e significados que surgem na mulher após o aparecimento do câncer de mama. Mas, poucas falam e se preocupam em saber como elas viviam antes da doença, como era sua estrutura emocional, como vivenciavam seu próprio corpo, sua sexualidade, sua feminilidade e como isso pode ter contribuído para o surgimento da doença.
Por fim, destaca-se que esta pesquisa não objetiva demonstrar caminhos para evitar o câncer de mama. Mas o fato é que, entrevistar mulheres não portadoras do câncer de mama e fazer uma comparação com as portadoras, fez-se de suma importância para que se pudesse perceber como a vivência satisfatória da sexualidade, feminilidade, sensações e desejos, são essenciais para que elas possam estar em equilíbrio, não construindo ou oportunizando o surgimento de doenças psicossomáticas como o câncer.


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*Psicóloga CRP-11/05399